Sem entrar no mérito e utilizando um argumento técnico, o STF (Supremo Tribunal Federal) rejeitou ontem o pedido do jornal "O Estado de S. Paulo" de publicar informações sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, cujo principal investigado é Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
O tribunal manteve, por 6 votos a 3, a decisão do TJ (Tribunal de Justiça) do Distrito Federal, que 133 dias atrás proibiu o jornal de veicular trechos do inquérito e dos grampos.
A Boi Barrica, depois rebatizada de Faktor, investigou a atuação de Fernando Sarney no setor elétrico. Série de reportagens da Folha neste ano revelou que o filho do senador afirmava ajudar o pai a "atacar" o setor e de nomear "quem quisesse" no Senado, além de interferir na agenda de trabalho do ministro de Minas e Energia. Em 2008, Fernando foi indiciado por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Ele nega todas as acusações.
Numa ação juridicamente chamada "reclamação", "O Estado" alegou que o veto desrespeitara a decisão do STF quando este derrubou a Lei de Imprensa -naquele julgamento, o STF afirmou que os meios de comunicação não podem sofrer nenhum tipo de restrição, nem mesmo pelo Judiciário. Ontem, a maioria dos ministros entendeu que os advogados do jornal utilizaram o mecanismo errado para contestar a proibição. Cezar Peluso, relator do caso, argumentou que a reclamação só poderia ser usada se, para determinar a proibição, o juiz do TJ-DF tivesse utilizado como base a Lei de Imprensa, o que não ocorreu.
No final de abril deste ano, o STF revogou toda a Lei de Imprensa (5.250/67), um conjunto de regras criado na ditadura militar (1964-1985) que previa atos como a censura, a apreensão de publicações e a blindagem de autoridades contra o trabalho jornalístico.
Em julho, o desembargador Dácio Vieira concedeu uma liminar proibindo o jornal "O Estado de S. Paulo" de publicar notícias sobre a Boi Barrica, utilizando o argumento de que a veiculação de tais informações feriria garantias constitucionais, além de violar a Lei de Interceptações Telefônicas.
"A decisão [do TJ-DF], diante do dispositivo constitucional da liberdade de imprensa, utilizou outros dispositivos constitucionais que protegem a honra e a privacidade para limitar a publicação. Este tema foi objeto da decisão do Supremo? Não", afirmou Peluso.
O relator foi acompanhado pelo presidente do STF, Gilmar Mendes, e pelos ministros José Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Ellen Gracie e Eros Grau. Mendes e Eros afirmaram que a decisão do TJ não configurava censura, mas uma decisão de caráter individual de um magistrado com base em legislações existentes.
Os ministros Carlos Ayres Britto, Cármen Lúcia e Celso de Mello entenderam diferente. Para eles, a proibição de veicular informações é censura prévia. "O poder de cautela do Judiciário é o novo nome de censura", disse Mello.
Jornal vai recorrer de decisão "frustrante"
Diretor de Conteúdo do Grupo Estado, o jornalista Ricardo Gandour considerou "frustrante" a decisão do Supremo Tribunal Federal, que "deu um passo atrás" ao tratar apenas da "tecnicalidade" da reclamação, e decidiu manter a censura ao jornal "O Estado de S. Paulo". A empresa vai recorrer por meio de um recurso extraordinário que já tramita no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
"Nos preocupam os sinais que o STF pode emitir para o país. Nós entendemos que a liberdade de imprensa é um direito absoluto. Os veículos devem ser acionados pelo que publicam, e não impedidos de publicar", disse Gandour.
Segundo ele, o STF "mais uma vez postergou a decisão, e o tempo jornalístico é fundamental".
"A nossa preocupação não é com o "caso do Estado" em si, mas com o alcance para imprensa e democracia", disse.
"Embora a corte não tenha entrado no mérito, nas discussões o mérito acabou sendo tangenciado. O STF deu um passo atrás. Julgou o pedido não pertinente, em face do acórdão que terminou com a Lei de Imprensa", afirmou.
ANJ
O diretor-executivo da ANJ (Associação Nacional de Jornais), Ricardo Pedreira, disse que a expectativa da entidade é que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) revogará a censura ao jornal "O Estado de S.Paulo", quando julgar dois recursos oferecidos pela empresa.
Segundo Pedreira, o STF "tomou uma decisão claramente de caráter processual". "A maioria da corte entendeu que a reclamação não é o caminho processual adequado", disse.
"O jornal tem dois recursos a serem julgados no STJ -um recurso especial e um recurso extraordinário- nos quais será discutido o mérito da censura".
"Vários ministros do STF fizeram questão de dizer que não estavam decidindo em relação ao mérito, mas ao caminho seguido pelo jornal", afirmou o diretor da ANJ.
Fonte: Folha de São Paulo