
Na Varsóvia do fim da década de 30 florescia um dos mais imponentes zoológicos do mundo, que abrigava ursos polares, elefantes africanos e linces naturais da única floresta intocada da Europa. Qualquer um que visitasse o local em outubro de 1939 não poderia ficar mais chocado com a destruição que sofrera, num terrível contraste com o paraíso de apenas um mês antes.
Nos escombros de seu outrora precioso paraíso, o diretor do zoológico, Dr. Jan Zabinski, decidiu abrigar outro tipo de espécie em extinção: os judeus de Varsóvia. Essa é a incrível premissa de O Zoológico de Varsóvia (312 páginas, 35 reais), lançado no mercado nacional pela editora Nova Fronteira. Contada numa narrativa leve e informal pela autora Diane Ackerman, a epopéia do diretor e sua esposa, Antonina, escondendo refugiados em seu casarão e nas jaulas de animais agora vazias, impressiona por sua ousadia e amplitude.
Ackerman, ex-professora de Inglês da Universidade de Cornell, trata da narrativa tomando como base os diários de Antonina Zabinski, e toda a história segue seus passos, como, aliás, já deixa claro o título original da obra: “The Zookeeper’s Wife”. Um casal completamente apaixonado pelo mundo natural, os Zabinskis viviam em completa integração com os animais sob sua responsabilidade. O primeiro capítulo já revela Antonina descrevendo o “despertar” dos animais pela manhã, com uma pluralidade de gorjeios e guinchos que ela aprendera a identificar e notar as mínimas variações. Fica transparente a natureza paradisíaca e bucólica do zoológico, e a autora chega a descrever que Jan fazia vistorias diárias do lugar em sua bicicleta, sendo seguido de perto por um grande alce de nome Adam.
Toda essa utopia é repentinamente interrompida pela invasão alemã da Polônia em setembro de 1939, e é impressionante a descrição feita no livro, do ponto de vista de uma civil (Antonina) dos eventos daquele trágico mês. Embora seja o primeiro ato da Segunda Guerra Mundial, são raras as obras que chegam a um enfoque tão detalhado daquela curta campanha; não das manobras militares, mas das consequências para uma pessoa comum pega no fogo cruzado.
A rendição polonesa revela um zoológico completamente destruído pelo bombardeio da Luftwaffe à capital. É então que entra em figura o controverso Lutz Heck, diretor do zoológico de Berlim e um homem obcecado por “ressuscitar” espécies extintas como o auroque (bisão europeu) e o tarpan (cavalo selvagem europeu). A eugenia nazista mais uma vez se faz patente ao mostrar Heck tentando recriar espécies através de retro-cruzamentos de animais com traços “puros”, um método totalmente desacreditado atualmente.
A vontade alemã de extinguir a nação polonesa, exterminando os intelectuais e banindo as universidades, se mostra dentro do zoológico ao Heck confiscar o restante dos animais que sobreviveram ao bombardeio de setembro. Jan Zabinski começa então a mostrar-se um estrategista que passaria toda a guerra a enganar os alemães, e consegue autorização para transformar seu domínio numa granja de porcos. Ao que os alemães instalam um depósito de munição dentro do zoológico, Jan instala um pequeno arsenal da Resistência Polonesa logo ao lado, antecipando que ali seria o lugar onde os nazistas menos procurariam por tal coisa.
Com a progressão da repressão capitaneada por Hans Frank, os judeus de Varsóvia são confinados ao gueto da cidade, um lugar que tornou-se um formigueiro humano sujeito a epidemias e fuzilamentos aleatórios pela SS. É aí que os Zabinski vêem-se na obrigação moral de estender a mão às vítimas do nazismo. Com seus contatos dentro da Resistência e uma incrível perspicácia que numerosas vezes enganou os alemães, Jan resgatou diversas pessoas de dentro do gueto e instalou-as, mesmo que provisoriamente, dentro das dependências do jardim zoológico. Ao longo da ocupação, mais de 300 pessoas foram salvas da morte certa pelos Zabinski, e a narrativa de Ackerman é recheada de passagens emocionantes sobre o perigoso cotidiano dentro dos limites do zoo.
A autora também mescla a história principal com narrativas secundárias tocantes, como a de Irena Sendler e a de Janusz Korczak, que acalmou até o fim um grupo de crianças às portas da morte em Treblinka. Tais histórias complementam e adicionam valor ao mérito dos Zabinski, que a certo ponto acolheram a própria Irena Sendler após sua fuga da Gestapo.
A tragédia do Levante de Varsóvia, na qual brutais tropas da SS chefias pelo Obergruppenführer Bach-Zelewski destruíram a cidade, sufocando a Resistência e assassinando 200 mil pessoas, é contada com detalhes, ressaltando a imobilidade sádica do Exército Vermelho, que permitiu o massacre, apenas observando acampado à beira da cidade. Esta ferida, ainda não completamente cicatrizada no coração polonês, é o ápice da narrativa. Relegada à sombra soviética após a queda dos nazistas, a nova Polônia comunista não reconheceu o mérito de Jan Zabinski. Ele foi, contudo, homenageado pelo governo israelense com o título de “Justo Entre as Nações”, e teve uma árvore plantada em sua honra no Memorial do Holocausto em Israel, em 1968.
Lançado em 2007 nos EUA, o livro figurou em 13º lugar na lista de best-sellers do New York Times, e já inspirou cineastas poloneses a levar a heróica história do Zoológico de Varsóvia para o cinema. A obra de Ackerman proporciona boas horas de leitura, misturando momentos de tensão, alegria e talvez a maior piada de humor negro já vista, protagonizada por dois soldados da SS. Uma publicação que vale a pena conferir.
Fonte: http://saladeguerra.blogspot.com/